Introdução

Por que esse assunto é importante e minha jornada.

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Este livro foi publicado em 11 de Maio de 2020. Fiz uma grande revisão em 2023 e tenho feito pequenas revisões desde então para adequar ao mercado. Espero que aproveite.

Eu trabalho com internet e tecnologia desde 2001. Comecei como desenvolvedor front-end, abri o tableless.com.br em 2003 e, mais recentemente (este texto foi escrito em 2020 e revisado em 2023), depois de ter sido Diretor de Produtos Digitais na Sympla e na Jüssi, trabalhei como Diretor de Produtos em Consumer de Real Estate na OLX. Já treinei e mentorei mais de uma centena de pessoas e times pelo Brasil. Consegui acumular um pouco o ponto de vista de uma série de empresas, segmentos e indústrias de mercado e principalmente de vários PMs e líderes de produto.

Eu sei, por experiência própria, que trabalhar em um mercado tão emergente é difícil. Faltam mentores, falta conteúdo, falta um filtro que ajude a saber o que é certo e o que é errado – ainda mais nessa área, Gestão de Produtos, algo tão novo aqui no Brasil. Eu comecei nessa área de tecnologia como dev front-end. Lá atrás, eu abri um site chamado Tableless, um dos pioneiros no Brasil sobre front-end sendo feito com Padrões Web. Abri o blog na época exatamente pela falta de conteúdo em português e pela falta de pessoas mostrando o caminho das pedras para uma evolução mais rápida, concisa e com qualidade.

Hoje segui mais ou menos pelo mesmo caminho abrindo o Product Oversee, que é um grupo de pessoas com mais de 90 autores, contando com meetups, portal de conteúdo, newsletter, eventos e cursos para democratizar ao máximo conteúdo de qualidade sobre liderança e construção de produtos digitais. A ideia é tentar, ao máximo, trazer uma visão realista sobre a disciplinar de gerir produtos no mercado brasileiro.

No blog SVPG, liderado pelo Marty Cagan, o artigo mais antigo que encontrei que cita sobre a área de Produtos tem a data de 2005[1]. Sendo bastante franco, eu só fui ouvir o termo produtos digitais depois de 2010. Até então, para explicar para os outros o que eu fazia, eu dizia que geria projetos de sites e aplicativos. O termo produtos digitais não era conhecido pelas pessoas "comuns", mas também estava começando a se popularizar nas comunidades, grupos e pelas empresas que eu conhecia.

Contudo, entre 2015 e 2020, uma demanda enorme em busca de Product Managers (PM) explodiu no Brasil, principalmente nas grandes capitais. Não que já não houvesse esse tipo de profissão aqui no Brasil: empresas como Locaweb e várias startups já trabalhavam corretamente com gestão de produtos, usando processos bem estabelecidos e demandavam, pelo menos, a necessidade de ter Product Owners (PO) no time, dado que Scrum já era muito popular.

O aparecimento e estruturação de grandes startups foi outro fator fundamental que ajudou a popularizar aqui no Brasil a profissão de Product Manager. O Brasil virou foco de grandes investidores à procura de empresas com potencial de crescimento acelerado, como Movile, NuBank, Loggi, Creditas e várias outras. Além de boas ideias, essas empresas trouxeram uma estrutura profissional de times de Produtos Digitais, organizando processos e estabelecendo um modo de operar que, até então, pouco se via em empresas de tecnologia no Brasil.

Aos poucos, o foco deixou de estar apenas em times de desenvolvedores, dando espaço para que outras especialidades ganhassem visibilidade, como Product Designers, Product Managers, Data Science e outros profissionais, que, por sua vez, compõem times multidisciplinares que constroem e mantêm produtos digitais.

Dessa forma, o poder de decisão deixou de estar concentrado nas áreas de marketing, comercial e de negócios, dividindo essa decisão com Product Managers, designers, desenvolvedores e todo o time de produto, que, por sua vez, identificam oportunidades, fazem análises de dados qualitativos e quantitativos (inclusive dados advindos do time de negócio) de comportamento de usuários e do mercado, e sugerem, juntamente com a área de negócio, qual deve ser o caminho ou a aposta que a empresa poderá fazer.

Como me tornei Product Manager

Em 2006, eu saí da Visie, a empresa que eu tinha fundado com um amigo. A Visie era uma empresa de prestação de serviços, atendendo clientes do Brasil inteiro, fazendo consultorias, treinamentos e sistemas. Foram 6 anos que aprendi muito sobre montar um negócio. Mas se você já trabalhou em empresas que prestam serviços, principalmente na área de tecnologia, sabe como a vida é intensa. Na época que abri a empresa, eu tinha uns 22 anos; quando decidi sair, eu já estava com 28. Saí por basicamente dois motivos: primeiro, eu gostaria de algo mais tranquilo e menos estressante; segundo, queria adquirir uma experiência que eu não tive antes, em um negócio totalmente estabelecido, em um mercado já explorado.

Eu tinha o intuito de lapidar melhor uma visão mais ampla sobre negócios, além de ganhar experiência tática. Assim que saí, surgiu uma oportunidade na Locaweb. Lá eu comecei como coordenador do time de front-end, com a missão de estruturar essa área, que não existia lá. Mas logo depois me tornei coordenador de dois times de produto: Criador de Sites e o VOiP.

A Locaweb foi uma escola em vários sentidos: estrutura, organização, tecnologia, negócio, governança. Vi muita coisa sendo aplicada lá que até então eu só tinha lido em livros de negócios. Foi lá que eu tive o primeiro contato com uma estrutura funcional de produtos. Só não era perfeito porque até então não se trabalhava com times multidisciplinares. Haviam silos de front-end, back-end, designers, marketing etc.

Como coordenador técnico, eu liderava alguns times técnicos responsáveis por diferentes produtos. Naquela época, os coordenadores da Locaweb eram responsáveis pela performance de entrega do time e por isso éramos guardiões dos processos ágeis do time (esse foi o formato que eu vi dar mais certo na minha carreira: team leaders cuidarem das pessoas e do processo). Os coordenadores técnicos eram pares dos Product Owners.

Os Product Owners na Locaweb tinham alguma autonomia, mas não muita. Isso quer dizer que eles se envolviam pouco na estratégia da empresa e principalmente na estratégia de produto; contudo, tinham certa autonomia para movimentar alguns dos ponteiros como: churn, aquisição, indicadores de funil e engajamento, além de toda a autonomia para criar novas funcionalidades e realizar mudanças no produto para controlar os principais ponteiros de produto e, principalmente, de negócio. Nada ia para o produto sem a permissão do PO. Contudo, outras variáveis – como mercado de atuação, preço, estratégia de aquisição, planos de assinatura, mudanças em funil de compras, até mesmo algumas das novas features – não eram controladas pelo PO. Foi vendo esse trabalho de perto que eu quis dar uma guinada de vez e sentar na cadeira de gestão de produtos.

Depois que eu saí da Locaweb, iniciei uma jornada incrível pelas empresas que passei. Conheci PMs que não queriam interagir com desenvolvedores. PMs que não falavam com designers. PMs que não usavam dados. Percebi que todo PM tem um estilo próprio de gestão de produtos, embora todos possam usar as mesmas ferramentas ou trabalharem sob a mesma cultura empresarial. É muito difícil encontrar informações que indiquem um caminho claro e seguro para atuar na gestão de produtos – e isso se dá, em grande parte, por causa dessa diversidade de pensamento, atuação e execução. Em todas as empresas que eu passei, me deparei com ambientes, hierarquias e formatos de organizações diferentes.

Mas quando eu me tornei PM, descobri aquelas verdades que nenhum curso, palestrante ou influencer de produto vai te falar. Eu achava que sendo um Product Manager eu seria o único decisor sobre o produto. Mentira. Eu achava que era eu quem definiria a direção do produto. Mais uma mentira. Eu achava que eu definiria o roadmap do meu produto de acordo com o impacto no negócio. Mentira. Eu achava que o produto era o motivo da existência dos times e da empresa. Mentira. Eu media a importância da responsabilidade de ser um PM pela relevância do pedaço de software que entregamos, achando que esse software era a coisa mais fundamental que existia na empresa. Eu achava que o produto era o fim e não o meio.

Essas e outras fantasias foram felizmente destruídas durante a minha jornada e crescimento nessa carreira. Entendi que o produto é só um transporte. Um meio. Ele não é, de forma alguma, o final da linha. Depois que o usuário interage com o produto, o relacionamento com o serviço da empresa continua em vários níveis – intrínsecos e extrínsecos.

Este livro é parte do resultado da minha jornada até agora.

Por que escrevi este livro?

Não existe um manual definitivo para fazer gestão de produtos digitais e ser um(a) Product Manager perfeita(o). As decisões certas e erradas não são tão preto no branco. Toda decisão vai levar o produto para um posicionamento de mercado que pode ser pior ou melhor que a posição anterior. Geralmente, você só tem hipóteses, que precisam ser investigadas, além de ter que lidar com achismos de fundadores, diretores, gestores de outras áreas e, principalmente, de outros PMs. Boa parte do tempo do PM é dedicado exatamente para filtrar esses achismos (inclusive o seu próprio viés). Isso é priorização.

Por causa da imaturidade do mercado, várias empresas - principalmente as que não tinham tecnologia como um motor ativo essencial para o negócio desde o início - não entendem o papel e a responsabilidade dessa cadeira. Durante o amadurecimento dessa profissão e também do mercado de produtos digitais e tecnologia, muitas empresas acabam se comportando como se o produto construído fosse o fim. É muito por isso que stakeholders tratam os PMs como as pessoas que vão garantir que os seus pedidos sejam executados. Esse é um erro enorme. Um produto digital é só uma peça fundamental, mas não a mais importante, cujo principal objetivo é servir como um veículo para transportar o valor do serviço fornecido pela empresa para as pessoas e para o mercado. O PM é responsável por trazer resultado relevante para o negócio por meio do produto, mudando e aprimorando o comportamento, encurtando cada vez mais a percepção de valor através da experiência de uso.

Esse é o principal motivo da criação deste livro: mostrar que o produto digital é um dos meios, não o fim, de entrega de valor para o negócio, e qual é o papel do PM neste processo. Esse primeiro motivo invariavelmente me leva ao segundo: como fazer a gestão de um produto digital para potencializar o valor entregue para o usuário?

Pessoas diferentes chegam a conclusões diferentes, mesmo tendo à disposição os mesmos dados e fatos. Com este livro, eu basicamente mostro a forma com que eu faço gestão e construo produtos digitais, levando em consideração que o produto é só uma parte de um processo muito maior.

Ter passado por várias funções durante minha carreira - desenvolvedor front-end, Agilista e coordenador de times, Product Manager, Diretor, Head de produtos digitais e de unidade de negócios, além de empreendedor - me ajudou a formar uma visão mais contemporânea e alinhada com a realidade sobre gestão de produtos e times multidisciplinares em empresas brasileiras.

Minha visão macro sobre o funcionamento de um produto digital, apresentada de forma linear

Ter essa visão macro me ajuda a definir prioridades de negócio, entender como podemos fazer parcerias que tragam benefícios para o usuário e para a empresa, criar ciclos de entrega de valor contínuo e fáceis de manter, além de ser flexível e passível de mudanças ocasionadas pelo mercado ou reposicionamento da empresa.

Minha visão micro sobre o funcionamento de um produto digital, apresentada de forma linear

Além disso, tentei abordar uma visão mais tática do processo. Essa visão micro é o que impacta diretamente o dia a dia do produto nas fases de planejamento, construção, monitoramento e aprendizagem.

Essa percepção operacional corresponde a, basicamente, 70% ou até 80% do trabalho diário de um PM (esse chute é totalmente meu e é pura percepção baseada na minha experiência). A visão macro estratégica não muda com frequência e depende bastante do posicionamento da empresa, que é afetado pelo mercado e decidido pelos investidores, board diretivo e outras áreas. Contudo, acredito que Product Manager e time de produtos não podem ter um contato apenas com o tático, mas, sim, ter uma visão mais realista, estratégica, e aproximar-se de stakeholders - que são as pessoas que realmente decidem ou influenciam muito a decisão final - com o objetivo de influenciar e estimular mudanças positivas, expondo a visão de usuário e do comportamento do mercado.

Para quem é?

Tentei abordar assuntos que surgiram nos últimos anos e estão começando a se popularizar agora aqui no Brasil. Alguns desses assuntos são facilmente buscados em blogs sobre gestão de produtos. Mas, como eu disse, a integração coerente com uma linha de raciocínio linear é o que me fez escrever tudo isso.

Aqui você vai saber quem e o que me inspirou e me ajudou a formar esse pensamento. No fim de cada um dos capítulos, tomei o cuidado de mencionar muitas referências para que você se aprofunde mais sobre os assuntos abordados. Como qualquer outro livro, provavelmente você vai passar por assuntos que já conhece de cabo a rabo, mas aqui você vai entender como eu integrei todas essas ideias em algo coerente, na torcida de que o raciocínio também faça sentido para você.

Este livro serve para Product Managers que começaram agora a exercer essa responsabilidade ou PMs que já estão no mercado e já têm um conhecimento bastante avançado sobre os assuntos, mas querem comparar a sua perspectiva com a de outra pessoa. De qualquer forma, o livro está recheado de referências para agradar todos os gostos e níveis de conhecimento.

Assim como escrever este livro me ajudou a fixar e a aprender conceitos e assuntos importantes sobre o tema, espero que eu possa ajudar você a forjar um pensamento único e pessoal sobre gestão de produtos digitais.

Aproveite!


  1. https://svpg.com/titles-roles-and-responsibilities/ ↩︎
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